A final do futebol americano, Super Bowl, é considerada um dos maiores eventos do entretenimento mundial. O jogo é assistido por milhares de telespectadores mundo afora, incluindo um público muito específico que está interessado no que acontece no intervalo da partida. Sim, a pausa é repleta de atrações. O espetáculo musical e os comerciais de TV são geralmente primorosos, criando bastante expectativa sobre o seu conteúdo.
Este ano teve comercial da Pepsi, Doritos, GM, Uber, Hellmann`s, dentre outros, que já entraram para a história pelas cifras milionárias: 2023 contabilizou o espaço publicitário mais caro de todos os tempos. Algumas marcas pagaram até US$ 7 milhões por trinta segundos do intervalo do jogo.
Para ilustrar a excelência do break comercial, para além desses valores milionários, é possível citar aqui dois exemplos que demonstram a importância da experimentação estética dos comerciais criados especialmente para o evento. O icônico vídeo da Apple, em 1984, é considerado um marco da publicidade mundial, influenciando gerações de criadores para a televisão [1]. Recentemente, no Super Bowl de 2019, foi veiculada a campanha #eatlikeandy do Burger King, em que Andy Warhol aparecia, silenciosamente, por cerca de trinta segundos, comendo um whopper, o clássico hambúrguer da rede de restaurantes norte-americana.
Sobre essa última ação, vale um registro. À primeira vista, parecia um sósia do artista visual, falecido no final dos anos oitenta, ou mesmo uma reprodução feita em computador, mas era uma cena real; foi extraída do filme 66 Scenes from America (1982) do diretor dinamarquês Jørgen Leth [2]. Para a concretização do #eatlikeandy, o brasileiro Marcelo Pascoa, diretor de marketing do Burger King, trabalhou no clearance da obra audiovisual junto ao documentarista e à Andy Warhol Foundation para remixar o vídeo com fins publicitários. O resultado é singularmente impecável.
O Brasil é referência no que Lawrence Lessig chamou de “cultura do remix” (LESSIG, 2008) [3], ou seja, na maneira de utilizar obras intelectuais preexistentes para criações de obras novas, num contexto cultural específico, sem que isso seja considerado uma violação dos direitos autorais. O funk brasileiro, por exemplo, é uma grande expressão dessa cultura.
Continua após a publicidade
Nesse domingo, no Super Bowl de 2023, um brasileiro fez jus à essa tradição. No épico show de Rihanna, a artista interpretou um remix da música “Rude boy”, feito pelo DJ Klean, de apenas vinte anos de idade, natural de Itarantim/Bahia [4]. O remix, em ritmo de funk, foi realizado em 2020, viralizando posteriormente nas redes sociais, especialmente no Tik Tok, até ser executado ao vivo no intervalo mais caro da TV mundial.
O mais interessante é que as produções de Rihanna e do DJ Klean chegaram a um consenso de que o remix não seria visto necessariamente como uma violação de copyright, mas uma legítima expressão dessa cultura do remix, onde as linguagens artísticas de ambos os artistas estão inseridas.
Mas e o jogo? O Kansas City Chiefs bateu o Philadelphia Eagles e ganhou a final da NFL. Porém, muita gente deve comungar com a frase estampada na camiseta da fã Cara Delevingne, presente no estádio, que viralizou na internet: “Show de Rihanna é interrompido por um jogo de futebol, estranho, mas tanto faz.”
Mário Pragmácio, Advogado, Doutor em Direito (PUC-Rio), Professor de Direitos Autorais do Departamento de Arte da UFF e Conselheiro do IBDCult
Notas
[1] Ver “How Apple’s “1984” Commercial Changed the Super Bowl forever | NFL Films Presents”. Disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=0lM_ozHbQdo>. Acesso em 13 fev 2023.
[2] https://en.wikipedia.org/wiki/66_Scenes_from_America
[3] LESSIG, Lawrence. Remix – Making Art and Commerce Thrive in the Hybrid Economy. Penguin Press, 2008.